“O meu filho dizia-me todos os dias: mãe tenho muito orgulho em ti, estás a tentar salvar as pessoas do COVID”

Com 47 anos e cerca de 19 de profissão Isabel Pinto, médica da USF Santiago, em Palmela, e presidente do Conselho Clínico e de Saúde viveu os últimos meses...

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Com 47 anos e cerca de 19 de profissão Isabel Pinto, médica da USF Santiago, em Palmela, e presidente do Conselho Clínico e de Saúde viveu os últimos meses na linha da frente no combate à COVID-19 e confessa que “desde há 11 meses que não tenho um único dia em que consiga estar desligada. Ou é as vacinas ou são surtos, ou são profissionais das unidades infetados ou em isolamento. Certamente não foram 11 meses monótonos”.

Em entrevista ao JPN, Isabel Pinto, recorda o apoio familiar mas também a importância dos profissionais do SNS que “tanto são criticados estão na linha da frente desde o primeiro dia, muitos sem férias, sem fins-de-semana”.

Como tem sido o seu dia-a-dia nestes 11 meses?  

Todos os dias são diferentes! Nos primeiros meses fiquei apenas na direção a preparar a máquina para tudo funcionar. Foram tempos em que o “núcleo duro” entrava na direção às 8 e não tínhamos horas para sair. Lembro-me que todos os dias às 22h ouvíamos as palmas na janela em Setúbal e ficávamos na janela a agradecer. Apesar de querer ir nesta altura para a linha da frente e ver doentes COVID os meus colegas (coordenadores das unidades) votaram para eu ficar na organização. Depois de tudo minimamente organizado comecei a ir ao ADR – comunidade, a fazer consultas, a acompanhar os doentes com COVID. E a ser mãe e filha…

Desde há 11 meses que não tenho um único dia em que consiga estar desligada. Ou é as vacinas ou são surtos, ou são profissionais das unidades infetados ou em isolamento. Certamente não foram 11 meses monótonos.

 – Em plena pandemia como se consegue gerir a vida profissional com a familiar?

Com muito apoio familiar. Sem a minha mãe e o meu tio não seria possível. E claro, com o grande apoio do meu filho que é o primeiro a dizer que tem orgulho no trabalho da mãe

– Quando regressa a casa e tendo consciência que esteve em contacto com pessoas infectadas. O que lhe passa pela cabeça?

Neste momento nada, tenho todos os cuidados que tenho que ter. Uso máscara higienizo as mãos, não dou beijos nem abraços (e que falta me faz.) 

“Temos uma equipa de vacinação exemplar”

– Muito se tem falado no cansaço / esgotamento de muitos profissionais de saúde.

Com a sua experiência até quando os profissionais de saúde vão aguentar este ritmo?

Os profissionais de saúde trabalham muitas vezes sob o efeito de adrenalina. E ainda é a adrenalina que nos move. Em termos de saúde mental a nossa grande preocupação é quando acabar esta situação. E a adrenalina vai esgotar. Depois sim, depois vamos começar a ter muitos problemas.  

Já se começa a notar alguma impaciência de toda a população, é isto ressente-se nos profissionais de saúde. Não nos podemos esquecer que a grande maioria dos profissionais não teve férias nem dias de descanso.

 – Como membro do ACES Arrábida tem estado envolvida no plano de vacinação.

Que balanço faz?

A vacinação no ACES Arrábida está a correr muito bem. Todas as vacinas que chegaram ao ACES Arrábida foram administradas. Temos uma equipa de vacinação exemplar. E temos um grupo de enfermeiros, médicos, assistentes técnicos e outros profissionais que estão disponíveis quase 24 horas dia. Muitas vezes sabemos do número de vacinas com um prazo de 24 horas para serem administradas , e todos os profissionais ajudam. Tem sido uma verdadeira lição de equipa. Neste momento o ACES Arrábida funciona como um só.

 – É comum falar – se de algumas falhas do SNS. Tem sentido por parte dos seus utentes tolerância e compreensão para o momento que como médica atravessa?

Felizmente são mais os utentes que compreendem o que estamos a passar. Falando do ponto de vista pessoal, sei que dos meus cerca de 2000 utentes, há alguns que não são tolerantes com o facto de não estar tão presente como antes. Mas consegui criar uma relação ao longo destes 12 anos com a grande maioria e sabem que podem contar comigo. 

 – Hoje os utentes estão mais sensíveis à COVID-19?  Ou para muitos ainda é uma “forte gripe”?

    Há de tudo. Os que estão muito sensíveis à COVID-19, os que acham que é apenas uma gripe, e para outros, infelizmente não é nada. 

Já tivemos muitas vezes que alertar as forças de segurança para situações de doentes infetados ou em isolamento que violaram o confinamento. Esta violação do confinamento coloca em causa a vida das pessoas. A COVID não escolhe idades nem patologias, a COVID mata. Há que respeitar as regras.

 – Esta pandemia veio alertar a tutela para a importância do serviço nacional de saúde?

    Esta pandemia veio alertar toda a gente para a importância do Serviço Nacional de Saúde. Os danos que esta pandemia poderia trazer para o país sem o SNS são incalculáveis. Os profissionais do SNS que tanto são criticados estão na linha da frente desde o primeiro dia, muitos sem férias, sem fins-de-semana. Neste momento os cuidados de saúde primários, para mim o pilar do SNS, continuam com o mesmo número de recursos humanos mas com muito mais trabalho. 

 – Sei que tem um filho pequeno. Como é que ele tem gerido a “ausência” da mãe nestes 11 meses?

Os primeiros dois meses foram muito complicados. Não sabíamos o que vinha aí. Só tenho o apoio da minha mãe e do meu tio que são pessoas de risco. Tivemos que em família tomar a decisão mais complicada da minha vida. E a decisão foi eu deixá-los até sabermos mais sobre esta pandemia. Foram dois meses muito duros. Mas o meu filho dizia-me todos os dias: “mãe tenho muito orgulho em ti, estás a tentar salvar as pessoas do COVID, e isso deu- me muita força. Só assim consegui suportar. Neste momento optamos em que ele ficasse ao pé de mim com o apoio inexcedível da minha mãe. Continuo a não estar presente como eu e ele queríamos, mas já era assim antes da pandemia. Tento ensinar ao meu filho que temos que ser felizes a fazer o que queremos e gostamos. E ele sabe que eu gosto de fazer o que faço. Mas separar-me do meu filho nunca mais.

– Foi a primeira médica a ser vacinada no ACES Arrábida. 

Receber a vacina foi um sinal de esperança?

Foi um convite da equipa de vacinação e da direção executiva. Uma vez que além de ser presidente do Conselho Clínico e de Saúde, também estou na verdadeira frente de combate. Continuo a efetuar a minha atividade como médica, não só na USF Santiago Palmela, como também no atendimento complementar e na Área dedicada a doentes respiratórios, pertencente por isso ao grupo prioritário. O facto de ter sido a primeira não só trouxe um sinal de esperança e de exemplo para os profissionais e os próprios utentes. Foi um momento emocionante, e que vai fazer parte da história, foi a luz ao fundo do túnel.

– Que alertas gostaria de deixar à população?

Protejam-se e protejam-se os outros! Usem sempre máscaras. Higienizem as mãos. Não se juntem. Basta um descuido para que tudo corra mal. Todos juntos vamos conseguir e nós, os profissionais de saúde, não vamos conseguir sem vocês.

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